Real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato

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Real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato: entre ficção e não-ficção, tudo é real, mas nem tudo é fato, nem tudo é concreto.
Fonte da imagem: se você souber quem é o autor da ilustração, informe pra gente!

Real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato são palavras que estão muito além do que imaginamos. Veja bem, todas essas palavras têm significados próprios. Você deve usar as palavras Real/Realidade de um jeito comum, igual ao que a maioria faz, certo? Provavelmente, né! Até eu já usei. Mas o significado de Real não é bem o que talvez você pense. Entender isso pode te ajudar a compreender melhor o mundo de seus filhos e filhas.

Então, me acompanhe na leitura aqui!!

René Descartes (1596–1650) é filósofo, matemático e físico. Ele provou sua existência e dos objetos ao seu redor pensando. Pensar sobre algo revelaria a existência de quem pensa e do objeto pensado. A grande questão que veio depois é se as coisas que existem, existem do modo como foram pensadas. Daí vêm as definições de mundo concreto e abstrato.

Vamos convencionar aqui que concreto é tudo o que existe fora do pensamento, da imaginação de quem pensa. Ou: real concreto. Mundo abstrato é tudo o que existe no pensamento, fruto de imaginação. Ou seja: real abstrato. Então, a gente pode entender que o real é tudo o que existe, seja no plano abstrato, seja no plano concreto. Por esse conceito, qualquer coisa pode existir, desde que alguém dê vida a essa coisa, pensando nela.

No filme Ela (2014), de Spike Jonze

…Catherine (ex-esposa de Theo) considera que a relação amorosa entre Theo e Samantha é uma relação entre computador e homem. E, para ela, essa relação não pode ser real. Porque Catherine entende que máquinas (especialmente sem corpo físico) não são pessoas. Máquinas não poderiam transcender e criar uma realidade compatível com a espécie humana. E relações entre humanos seriam, para ela, reais, porque fazem parte do mundo concreto.

Nesse contexto, máquinas existem, mas uma relação amorosa entre máquina e humano não existe para Catherine. Uma relação assim só seria possível na ficção (realidade abstrata), não na realidade concreta. E como ela era alguém absolutamente racional e do mundo concreto, não podia aceitar que Theo vivesse no mundo das ideias, ou que ele entendesse este mundo como parte do real concreto. Daí sua explosão indignada quando eles estavam conversando sobre assinar os papéis do divórcio.

Então, imagino, você já entendeu o que quero dizer ao juntar "Real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato"). Porque tudo isso é real.

Dessa forma, a relação entre Samantha e Theodore é real…

…porque estamos entendendo aqui que real é  tudo o que existe. E Theo acredita nessa relação. E, afinal, a relação é dele, não de Catherine. Ele é quem vivencia esse namoro. A questão é onde existe a realidade e como existe.

No filme de Spike Jonze há um futuro em que a tecnologia criou o sistema operacional, uma inteligência artificial sem corpo, que atua na rede. Cada cliente adquire um e adapta ao seu perfil de usuário. No caso de Theo, ele comprou e criou a Samantha. Portanto, naquela realidade narrativa, ela existe. E o título: Real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato faz cada vez mais sentido.

E como ela existe?

Samantha existe como algo que fala, pensa, evolui, mais rápido e melhor do que os humanos. Algo que tem vontades e sonhos. Nesse contexto, ela se apaixona por Theodore e vice versa. Ambos começam uma relação. Por que, então, considerar que essa relação não é real?

Essa realidade (a relação entre Samantha e Theo)…

… é algo que Catherine não aceita, ela prefere negar como sendo possível. Porque, na narrativa do filme, esse tipo de relação entre pessoas e máquinas é uma novidade, algo fora dos padrões sociais. Como quando surgiu a Era Digital, que mudou os paradigmas e ainda está mudando. E provoca reações de negação nas pessoas, que não consideram uma amizade virtual como algo real. Porque, na verdade, a palavra real, no senso comum, está sendo usada como concreta, tangível, palpável.

Ou seja, uma amizade virtual não existe contato físico, não há corpos físicos se tocando ou interagindo. A Era Digital bagunçou os padrões de interações sociais vigentes. O filme Ela bagunça com as relações amorosas”.

este é um trecho do meu doutorado: ELA, de Spike Jonze, no contexto dos novos paradigmas da Era Digital

Desse modo fica mais fácil entender Catherine. Theodore é escritor, portanto, ele exacerba algo que é comum no humano: se relacionar muito mais com a realidade criada em nossas mentes do que com o mundo concreto. Ninguém aqui está dizendo que Catherine não tem imaginação ou que Theodore não é racional. Mas apenas que o modo como se relacionam com suas próprias realidades (mundo interior e exterior – ideias e concreto) é diferente.

E a sensação de realidade depende da cultura de cada um, mas, fundamentalmente, a pessoa se relaciona com sua própria realidade, e não com o concreto, porque a pessoa insere elementos novos no real. Por exemplo: a pessoa não se relaciona com dois pedaços de pau que foram colocados de modo a formarem uma cruz. Ela se relaciona com o que aquilo significa para ela (no caso, pode ser o cristianismo).

Real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato

… para Catherine, essas palavras separam os mundos concreto do abstrato. Já Theodore mistura esses mundos. Ele também, durante o filme, tem dúvidas se devia misturar. Mas acaba aceitando a realidade que se apresenta para ele (novos elementos que surgem – e a pessoa pode negar, ignorar ou aceitar: ele aceitou).

Essa realidade que se apresenta é Samantha. Ela o convence, primeiro, de que é real (e não ficção), ou seja, de que ela existe e existe no mundo concreto. Depois o convence de que uma relação amorosa entre os dois é possível. Porque começou como um serviço (ela como empregada dele), depois evoluiu para amizade. Em seguida, houve atração sexual e o desejo de compartilhar experiências amorosas (passeios, confidências, gentilezas e sexo).

A resistência em aceitar Samantha como outro

… em vez de um mero objeto é menor em Theodore. Em Catherine essa resistência é muito maior. Por força da personalidade e caracterização de cada personagem. Catherine está inserida num grupo de pessoas que vê a realidade de um modo: entende que uma relação amorosa entre espécies diferentes é algo fora da realidade concreta. Para este grupo, Theodore é maluco, porque vive fora da realidade (desse grupo).

Se o grupo for maioria, então será convencionado que Theodore é, oficialmente, maluco (entendendo essa palavra como alguém que vive fora da realidade estabelecida socialmente como correta). Mas Theo não está sozinho. Ele se inseriu num grupo que aceita a relação entre máquinas e humanos como algo dentro de uma realidade correta.

Agora você viu que o sentido de “real” é mal usado pelas pessoas, né? A partir, então, do texto “Real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato, como você encara a realidade de seus filhos? Você presta atenção no mundo onde vivem? Você os ajuda a separar as realidades ou estimula que elas se misturem?

Virtual e real não são opostos

… Ficção e “real”, talvez sejam. Porque são a oposição entre abstrato e concreto. Porém, como já disse, a palavra “real” está sendo usada indevidamente como algo concreto. Ou seja, ficção também é real. O que ela não pode ser é factual, concreta, porque foi inventada. Super-heróis existem, são reais, mas no mundo abstrato.

Você cria seus filhos do seu jeito, mas lembre-se: o importante aqui é você se conhecer, compreender suas crianças e respeitar suas individualidades, principalmente ao tentar conhecer o mundo abstrato delas. Afinal, o que não é “real” pra você pode ser para seus filhos. E há muitas coisas factuais hoje que já foram consideradas ficção num passado não muito distante. Pode acreditar: é real.

Fábio de Amorim é jornalista, professor de redação e literatura, doutor em comunicação audiovisual, poeta e escritor. Veja outros textos (além deste “Real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato“), escritos por Fábio, aqui, no blog da Recriar.

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